sexta-feira, 28 de agosto de 2009
A sociedade fabrica criminosos e depois destroe-os.
Chaplin caçoando - e com plena razão - de nossos sacerdotes canalhas amancebados com o poder.
Em sua autobiografia, Chaplin narra um pouco sobre a defesa que fez a sua obra, Monsieur Verdoux, perante as autoridades da censura:
"-O que tem contra a Igreja católica?
-Por que pergunta? - repliquei.
-Eis aqui, - disse o homem,batendo sobre amesa uma ccópia do meu roteiro de Monsieur Verdoux e folheando-lhe as páginas. - a cena que se passa na cela dos condenados à morte; o criminoso Verdoux diz ao padre: 'E que posso fazer por você, meu bom homem?'
-BEm, não é ele um bom homem?
-Isso é jacoso - afirmou.
-Não vejo nada de jacoso em chamar-se um homem de bom.
-O senhor não deve chamar um sacerdote de "bom homem"; deve chamá-lo de 'padre'.
-Muito bem.- respondi.- Iremos chamá-lo de 'padre'.
-E temos esta fala aqui.- notou o censor, indicando outra página.- O senhor figura o sacerdote a dizer: 'Vim pedir-lhe que faça as pazes com Deus" e VErdoux retruca: "Com Deus estou em paz, meu conflito é com o homem." O senhor a de convir que isso é caçoada.
-Matéria de opinião.-respondi.-Tem o direito de pensar assim e eu também tenho o de pensar de outro modo.
-E mais esta -interrompeu, lendo outra passagem do roteiro.- Diz o sacerdote: "Não se arrepende dos seus pecados?" E Verdoux responde: "Quem pode saber o que seja o pecado? Não teve origem no Céu, não veio do anjo caido e expulso pelo Senhor? Portanto, como saber que misterioso destino tem a cumprir?"
-Creio que o pecado é realmente um mistério tão grande como a virtude. - repliquei.
-Mas o roteiro faz sempre Verdoux levar vantagem sobre o sacerdote.
-Como deseja que o sacerdote se apresente? Num papel comico?
-Claro que não,mas por que não lhe dá ensejo de lavrar alguns tentos nas suas respostas?
-Olhe aqui- ponderei- o criminoso vai ao encontro da morte e procura fazer fanfarronices. Em toda a cena, o padre mantém-se com dignidade e suas falas são as de um ministro de Deus. Mesmo assim, pensarei em alguma boa resposta que ele possa dar.
(...)
- O senhor acusa a sociedade e o Estado! - disse o censor.
-Bem... Afinal o Estado e a sociedade não são uns anjinhos do Céu. Por certo, é permitido criticá-los, não?"
Depois de driblar a censura, os problemas de Chaplin estavam longe de acabar. A situação não se abrandaria tão logo e a imprensa não facilitou as coisas, pelo contrário:
"Foi cheio de confiança que embarquei para Nova York, mas logo ao chegar, eis-me atacado por um colunista da Daily News:
'Chaplin está entre nós para a estréia do novo filme. Após suas façanhas de pró- comunista, eu o desafio a comparecer a uma reunião com a imprenssa, pois lá estarei para lhe dirigir uma ou duas perguntas embaraçosas.'
O serviço de publicidade da United Artists tinha dúvidas sobre se valia ou não a pena um encontro com os jornalistas americanos. Fiquei indignado, pois na véspera recebera os correspondentes estrangeiros que me deram acolhida calorosa e entusiástica. Além disso, eu não era homem que se deixasse intimidar.
Alugamos para a manhã seguinte um vasto salão de hotel e ali me defrontei com a imprensa americana. Depois de servidos coquetéis, fiz minha entrada, mas farejei imediatamente uma conspiração. Ia falar sobre pequeno estrado, por trás de uma mesinha; com jeito mais gentil e agradavel que pude arranjar, disse então:
- Muito bom dia, minhas senhoras e meus senhores. Aqui estou para fornecer todas as informções que lhes possam interessar a respeito do meu último filme e dos meus planos para o futuro.
Houve silêncio geral.
-Não falem todos ao mesmo tempo. - sorri.
Por fim, uma reporter sentada na primeira fila, perguntou:
-Você é comunista?
-Não - respondi em tom categórico. -A pergunta seguinte, por favor.
Um resmungão, enfiado num sobretudo e curvado sobre um manuscrito, começou a lê-lo.
-Queira perdoar-me- disse eu.- Poderia repetir a leitura? Não entendi uma só palavra...
E o homem:
-Nós, os ex-combatentes católicos...
Interrompi-o:
_Não estou aqui para responder a perguntas de nenhum ex-combatente catolico. Esta é uma reunião com jornalistas.
Fez-se ouvir outra vez:
-Por que não se naturalizou cidadão americano?
-Não vejo motivo para mudar de nacionalidade. E considero-me um cidadão do mundo.
Um frêmito percorreu a sala. Duas ou três pessoas quiseram falar ao mesmo tempo, entretanto, preponderou uma voz que disse:
-Mas é na América que você ganha o seu dinheiro.
-Ora...-respondi, sorrindo.-Se está querendo levar o assunto para o lado financeiro, então vamos pôr as coisas em pratos limpos. O meu negócio é de carater internacional; setenta e cinco por cento de todas as minhas rendas vêm do estrangeiro e sofrem nos EUS taxação de cem por cento. Portanto, pode ver que pago bem a minha hospedagem.
O homem da Legião Católica deu novo palpite:
-Seja o seu dinheiro ganho aqui ou não, nós, que desembarcamos naquelas praias da França, temos de nos ressentir porque não se tornou um cidadão de nosso país.
- Você não foi o único a desembarcar naquelas praias.-retruquei.-Meus dois filhos também estiveram com o exercito de Patton, lutando na linha de frente, e não fazem alarde deste fato nem o exploram, como você.
-Conhece Hanns Eisler?-perguntou outro reporter.
-Sim, é amigo a quem prezo muito e um grande músico.
-Não sabe que ele é comunista?
-Não me importa o que seja; minha amizade não se baseia em política.
-De qualquer modo, você parece gostar dos comunistas.- observou outro reporter.
-Ninguém vai me dizer de quem devo ou não gostar. Ainda não chegamos a esse ponto.
Então, em meio a esse ambiente belisco, rompeu uma voz:
-A UM ARTISTA QUE JÁ DEU TANTA FELICIDADE AO MUNDO E SOUBE TÃO BEM COMPREENDER OS HUMILDES, QUE IMPRESSÃO HÁ DE CAUSAR O FATO DE SER ASSIM ESCARNECIDO, ESPICAÇADO PELO ÓDIO E PELO DESPREZO DOS QUE SE DIZEM REPRESENTANTES DA IMPRENSA AMERICANA?
Esperava tão pouco um sinal de simpatia que respondi abruptamente:
-Desculpe... Não entendi bem o que falou; quer ter a gentileza de repetir a pergunta?
Meu agente de publicidade cutucou-me e cochichou:
-Este é amigo e disse coisa bem interessante a seu favor.
Tratava-se de Jim Agee, poeta e romancista americano, que a esse tempo fazia editoriais para a revista Time. Fiquei desconcertado.
-Desculpe- tornei a dizer.-Não ouvi bem... por favor, quer repetir?
-Não sei se posso.-respondeu, ligeiramente embaraçado, e reproduziu mais ou menos o que falara antes.
Não me ocorreu o que replicar, Apenas sacudi a cabeça, dizendo:
-Não tenho comentarios a fazer... mas muito obrigado.
Daí por diante, desarmei-me. Aquelas boas palavras fizeram-me perder o ânimo combativo." (CHAPLIN, Charles. Minha Vida(My Autobiography);pags. 511, 512, 515, 516, 517)
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